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Ana Toni: Brasil buscará reconstrução da confiança multilateral e avanços climáticos na COP 30

Em Belém, o governo brasileiro apostará em transparência, financiamento climático robusto e protagonismo nas pautas de adaptação e mercado de carbono para consolidar legados regionais e globais

Gabriel da Mota

Enquanto anfitrião da COP 30, o Brasil tem como missão fortalecer o processo multilateral, amplificar o financiamento climático e liderar debates sobre adaptação e mercado de carbono. Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), detalhou estratégias que incluem o “Roteiro de Baku a Belém para 1,3T”, iniciativas para transição energética e ações para engajar a sociedade na construção de um evento que promete deixar legados socioeconômicos para a Amazônia e além.

O LIBERAL:⁠ Na sua visão, quais são os principais desafios para reconstruir a confiança no processo multilateral durante a COP 30, considerando o impacto da COP 29 em Baku? Quais estratégias o Brasil está adotando para mitigar esse desgaste?

Ana Toni: Para que haja a reconstrução da confiança no processo multilateral, são necessários, primeiramente, muita transparência e envolvimento dos países Parte do Acordo de Paris para assegurar que todos estão sendo escutados. Em segundo lugar, o processo de negociação dos textos a serem aprovados na COP 30 deve ser claro e começar rapidamente, não ocorrendo apenas durante a conferência. Por fim, precisamos demonstrar que o processo multilateral avança a cada ano e gera resultados no enfrentamento global à mudança do clima.

O LIBERAL:⁠ ⁠O valor de US$ 300 bilhões anuais, embora importante, está longe do necessário para conter o aquecimento global. Quais mecanismos concretos o Brasil planeja propor em Belém para ampliar os recursos e garantir o cumprimento das metas de financiamento?

Ana Toni: A COP 29 determinou a construção, sob a liderança do Brasil e do Azerbaijão, do “Roteiro de Baku a Belém para 1,3T”, que deve traçar uma trajetória para que o financiamento climático aos países em desenvolvimento atinja a marca anual de US$ 1,3 trilhão. Ao longo deste ano, o Brasil liderou o debate sobre financiamento climático no G20, e o conhecimento acumulado nesse processo deve ser considerado. Os temas debatidos incluem a taxação internacional de super-ricos, de passagens aéreas de primeira classe e dos combustíveis fósseis, além da reforma dos bancos multilaterais e do perdão das dívidas dos países em desenvolvimento em troca de investimentos em ação climática. Esses elementos podem nos ajudar a chegar no montante de recursos necessário. A discussão sobre financiamento climático a nível global é muito ampla, mas as diversas iniciativas em curso precisam ser trazidas para o âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). É necessário coordená-las para que seja possível construir uma trajetória que nos levará ao US$ 1,3 trilhão.

O LIBERAL:⁠ ⁠O avanço no Mecanismo de Crédito de Carbono em Baku foi significativo, mas ainda existem lacunas, especialmente no que diz respeito à proteção de direitos humanos e ambientais. Como o Brasil pretende liderar a discussão sobre essas metodologias na COP 30?

Ana Toni: Baku finalizou nove anos de negociações para a regulamentação dos mercados de carbono, o que representou um avanço significativo. As metodologias aceitas pelo mecanismo global do Acordo de Paris são desenvolvidas e monitoradas pelo Órgão Supervisor, de caráter técnico. Nesse espaço, têm havido discussões substanciais sobre os temas relacionados a direitos humanos, por meio de uma nova ferramenta de desenvolvimento sustentável que foi adotada na COP 29 e deverá ser aplicada a todos os novos projetos. O Brasil deve reforçar o debate sobre metodologias e garantir sua efetiva implementação.

O LIBERAL:⁠ ⁠O Roteiro de Adaptação de Baku foi um avanço para os países menos desenvolvidos. O que o Brasil, enquanto anfitrião da COP 30, pode fazer para garantir que a implementação desse programa tenha continuidade e resultados concretos?

Ana Toni: O tema da adaptação é certamente uma prioridade para o governo brasileiro. No Brasil e no mundo, vivenciamos eventos climáticos extremos com cada vez mais frequência e intensidade como resultado do aquecimento médio do planeta próximo do patamar de 1,5ºC. Em termos de negociação, a COP 30 tem que entregar a definição sobre os indicadores que medirão o progresso da Meta Global de Adaptação. A nível doméstico, temos avançado na agenda de adaptação, com a construção da Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima, submetida a consulta pública em novembro, e dos 16 planos setoriais. Isso ajuda muito o Brasil a se posicionar de forma coordenada entre os ministérios no debate internacional sobre o tema. Por isso, avalio que chegaremos à COP 30 preparados para exercer papel de destaque nas negociações sobre adaptação e colocar o tema no mesmo patamar de atenção conferido à mitigação.

O LIBERAL: ⁠A senhora mencionou a necessidade de mais reuniões preparatórias ao longo do ano para avançar em temas críticos. Quais já estão programadas e como será garantida a participação efetiva de todas as partes interessadas?

Ana Toni: O governo brasileiro conduz um processo de escuta sobre a COP 30 com diversos representantes da sociedade civil, populações indígenas e tradicionais, setor privado, academia, estados e municípios. Esse movimento será ampliado ao longo do ano, em alguns casos por tema, noutros, por grupos de atores. A coleta de prioridades e perspectivas para a conferência junto à sociedade brasileira será crucial para que o governo federal e a presidência da COP 30 desenvolvam uma estratégia com o objetivo de contemplar a participação dos grupos sociais interessados no processo. A estratégia deverá contribuir para que a COP 30 deixe legados em três níveis: para a cidade de Belém e o estado do Pará; para o Brasil e para o mundo.

O LIBERAL:⁠ ⁠Quais são as principais expectativas da delegação brasileira para o impacto positivo da COP 30 em Belém, tanto no avanço das pautas climáticas quanto no legado socioeconômico para a região amazônica?

Ana Toni: A COP 30 possivelmente fortalecerá debates já proeminentes na sociedade brasileira, como desmatamento e reflorestamento, bioeconomia e mercado de carbono. Em relação ao tema de transição justa, a discussão internacional pode alavancar o assunto a nível nacional. O mesmo para o debate sobre energia: na COP 28, em Dubai, houve a decisão de “transicionar para o fim dos combustíveis fósseis”. É necessário entender o que isso significa para o Brasil. As negociações trazem a oportunidade de nos organizarmos, enquanto sociedade, para que o país se posicione de maneira mais coerente perante o mundo na conferência internacional.

Belém