Abandono do patrimônio histórico de Belém preocupa população e especialistas
Faltam políticas de preservação e valorização pelo poder público. População precisa se apropriar das obras e espaços.
Na publicação da matéria "Cidade Velha e esquecida", na página de O Liberal no Facebook, várias pessoas fizeram comentários sobre o abandono do patrimônio histórico e cultural de Belém. Para os leitores, está além de mera sensação. Para especialistas em arquitetura e historiadores, é reflexo da falta de políticas continuadas de preservação e valorização da memória da cidade. Isso se reflete não só na Cidade Velha, mas em praticamente todo o acervo arquitetônico, cultural, histórico e artístico da capital paraense.
Na avaliação da arquiteta Roseane Norat, professora doutora da Universidade Federal do Pará (UFPA), os monumentos históricos de Belém estão tão abandonados e sujos quanto a própria cidade. Isso ocorreu pelo descaso e falta de manutenção ao longo dos anos, refletindo inércia da administração municipal. Contudo, sem agregar valor cultural, incentivar visitas e proteger o patrimônio, o vandalismo piorou o aspecto dessas obras e a própria população já não se importa.
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"Nos monumentos que estão em praças, só as praças recebem alguma manutenção e só paisagística. Não há uma manutenção permanente e nem cuidados especializados. Já bastaria limpar com água e sabão neutro, mas nem isso. É preciso que a população seja vigilante, tome estas obras para si e cobre do poder público”, comentou a arquiteta.
Norat lembra que estes monumentos históricos são memórias da história de Belém e do Pará, tanto do passado quanto de eventos mais recentes, como o Pilar da Infâmia, em São Brás (memorial ao massacre de Eldorado do Carajás). Mesmo assim, muitas pessoas desconhecem o que as esculturas representam, mesmo quando elas possuem informações escritas na própria obra.
“A população precisa valorizar mais. As escolas deveriam fazer visitas a estas obras e explicar os fatos que representam. Estes trabalhos carregam nossas memórias e muita gente não tem ideia do que se trata”, analisa a professora.
Muitos trabalhos de educação patrimonial e sensibilização já foram feitos, aponta Roseane. Só que são insuficientes. Precisam ser constantes e começar nas escolas. Depois o poder público precisa se aliar associações culturais e com a população para que as pessoas se apropriem dos espaços. E assim, usufruam e valorizem. Só que até a a maioria das praças, onde há uma certa presença de obras históricas, não têm qualquer atrativo. Já quanto à Cidade Velha, há um movimento que tenta se apropriar do bairro, só que nem sempre é com o intuito específico da preservação da memória.
A arquiteta e urbanista Tatiana Borges, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), acrescenta que o órgão possui cerca de 5 mil imóveis tombados em Belém (mais de 500 com interesse de preservação), incluindo casarões, conjuntos paisagísticos e urbanísticos e o parque zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi. Os imóveis desocupados são as grandes vítimas do vandalismo por um duplo abandono: dos proprietários e da administração pública.
Para Tatiana, falta mais entrosamento entre Estado, Governo Federal e prefeitura para constante manutenção, preservação e fiscalização do patrimônio histórico. "Belém, diferentemente de várias cidades do Brasil, mantém um grande acervo de arquitetura tradicional preservada, porém, mal-cuidada. Falta mais divulgação da importância de preservar o patrimônio cultural. Se preciso, até incluir nos currículos escolares. Já a população não valoriza e nem respeita o que é seu, delegando as responsabilidades somente ao poder público. É preciso valorizar mais esse patrimônio", avalia.
O patrimônio histórico de Belém, diz o geógrafo e antropólogo Edgar Chagas Junior, professor doutor da Unama, deveria ser referência de criação de afeto, memória, resistência da manutenção de uma paisagem estética histórica. Deveriam manter um cotidiano feito pelas pessoas e pelos sentidos construídos por aquela paisagem. Isso determina a necessidade de cuidados intensos por parte do poder público para conter o avanço da degradação evidente do patrimônio histórico da cidade.
"Por exemplo, o Solar da Beira. Está abandonado e diz muito sobre o que somos e como cuidamos de nossa memória. Cuidar dese espaço é cuidar de nós mesmos. Assim pensamos em nós mesmos no cotidiano e entender os processos históricos. O que constitui Belém hoje é aquilo que existiu. Para o futuro, é necessário manter a memória viva, visível na arquitetura, para entender o que somos e quem fomos", analisa Edgar.
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