Autismo em foco: lei que proíbe soltura de fogos de artifício garante bem-estar de pessoas com TEA
Durante o mês de junho, os fogos de artifícios se tornam frequentes durante as festas juninas; nessa época, a lei ganha maior visibilidade e debate
Neste mês de junho, quando os fogos se tornam frequentes durante as festas de São João, a importância da Lei Estadual nº 9.593, — sancionada em maio de 2022, com o objetivo de combater a poluição sonora — que proíbe a soltura de fogos de artifício com estampido em todo o Pará, ganha maior visibilidade. Isso porque entre os públicos amparados pela determinação estão crianças e jovens portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA), que possuem hipersensibilidade sensorial.
O advogado e presidente da Comissão de Proteção aos Direitos das Pessoas com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Pará (OAB-PA), Evandro Alencar, destaca que a legislação trouxe a redução de ruídos provenientes dessa atividade, que gera diversos desconfortos para pessoas com diferentes formas de neurodiversidade. Para o advogado, a lei possibilita que toda a sociedade reflita sobre essa prática e evita que a comunidade autista sofra com os efeitos do barulho.
“A lei estadual não criou um novo tipo de crime, pois somente a União pode legislar sobre matéria jurídica de Direito Penal, mas ela permite aos operadores do Direito remeter a prática a ser combatida, de soltar fogos de artifícios com estampido, ao tipo penal previsto no art. 54, da Lei 9.605/1998, chamada Lei de Crimes Ambientais, que prevê como crime a conduta de causar danos à saúde humana”, afirmou Evandro.
Atualmente, algumas medidas concretas já são observadas, mas algumas ações ainda podem ser feitas para coibir as ações, como frisa Evandro: “A fiscalização da venda dos fogos de artifícios com estampido pode ser uma medida a ser feita para diminuição dessa prática. Outra medida a ser realizada é a conscientização sobre essa nova lei pelas autoridades que recebem esse tipo de ocorrência e denúncias, de modo que possam utilizar a legislação com maior frequência”.
Efeitos
O som da explosão causada pelos fogos traz desgaste e sofrimento para as crianças autistas e seus familiares, como é o caso do pequeno Júlio César Fernandes, de 9 anos, segundo relata a mãe dele, Cleise Fernandes, 48 anos, de Belém. Ela conta que durante essa época do ano é muito difícil lidar com o barulho provocado, já que afeta diretamente o dia a dia do menino.
“Ele fica numa crise sensorial, que dificulta suas atividades diárias. Como por exemplo, não conseguir executar suas terapias, atividades na escola ou até mesmo na natação. Eu me tranco com ele no quarto, coloco o abafador em seus ouvidos, deito na cama até ele ficar calmo e acabar o barulho dos fogos. Não adianta eu tentar acalmá-lo e o barulho dos fogos continuar. Ele fica muito mais agitado do que o normal”, complementou.
Cleise enfatiza, ainda, que a lei resguarda o direito da pessoa autista onde quer que ela esteja. “A partir do momento que tem uma lei que estimula, que não podem soltar fogos de artifícios, isso possibilita a pessoa com deficiência e pessoas autistas a estarem nestes ambientes. Mesmo que ela tenha essa hipersensibilidade auditiva, é uma maneira, sim, de estar incluindo as pessoas autistas nas festas juninas, nessa época do ano tão comum. Só que por ter esse barulho acaba não tendo a inclusão social”, disse a mãe do garoto.
O pai de Júlio César, Edigleison Fernandes, de 42 anos, também relata que a lei é uma forma de inserir o filho nos mais diversos espaços sem que ele seja afetado. No entanto, a família ainda toma as devidas precauções antes de sair de casa. “A gente vai programado, leva o abafador para ele não saia daquele local, porque ele tem que brincar, ele tem que estar incluído”, comentou.
Lei
Ainda em 2021, a lei que proíbe fogos com estampido foi proposta pelo então deputado estadual Miro Sanova (PDT). O ex-congressista lembra que a motivação de proposição da legislação se deu devido a sua bandeira de luta voltada à causa da pessoa autista. Sanova, que também é pai de uma criança portadora de TEA, destaca que a determinação foi muito bem recebida pelos familiares da comunidade autista.
“A fiscalização da lei tem que ser feita por parte do Estado, que pode ser a Secretaria de Meio Ambiente; as polícias; o Ministério Público; a imprensa também tem um papel importante de fiscalizar; e a população em geral. Eu sempre falo que você só tem o direito quando existe a lei. Então, a lei foi criada. E hoje, se você se sentir incomodado por algum vizinho, alguma instituição que está soltando fogos com estampido você pode cobrar e exigir o seu direito”, frisou Miro.
(Gabriel Pires, estagiário, sob a supervisão de João Thiago Dias, coordenador do Núcleo de Atualidades)
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