Flora do Pará em alerta: pesquisa cria lista de espécies ameaçadas

Com metodologia inédita, estudo é atualizado pela primeira vez em 17 anos

Fabrício Queiroz | Especial para O Liberal
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Os biomas brasileiros estão passando por intensas transformações à medida que as atividades humanas avançam. Na Amazônia, a mudança nos padrões de ocupação e uso do solo levou à redução da área de vegetação nativa em 55,3 milhões de hectares entre 1985 e 2023, segundo os dados da Coleção 9 do MapBiomas. No mesmo período, a porção do território paraense onde predominava a floresta caiu de 93% para 77%. É nesse contexto de crescentes ameaças à biodiversidade que pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) estão há mais de um ano dedicados a atualizar a lista de espécies ameaçadas da flora do Pará.

O esforço é urgente, afinal são 17 anos desde a elaboração da última lista, quando foram identificadas 53 espécies da flora com algum grau de risco. A recomendação é que a atualização ocorra em um intervalo menor, considerando tanto a dinâmica da paisagem quanto os avanços dos estudos científicos na área. Por exemplo, uma espécie antes classificada como endêmica, isto é, que ocorreria somente em uma determinada região geográfica, pode ter sido encontrada em outras localidades e o status de conservação dela  tende a mudar.

“No momento que eu encontro uma espécie nova, como ela só tem um ponto de coleta, ela é endêmica. Conforme os estudos aumentam, tanto dentro do estado quanto fora do estado ou país, você tem a chance de encontrar essa espécie em outros locais. Com isso, a área de distribuição dela se expande e deixa de ser endêmica”, explica Anna Ilkiu Borges, pesquisadora da área de botânica do Museu Goeldi e coordenadora do projeto.

A carência de dados com base em investigações em campo é um dos desafios enfrentados pela pesquisa desenvolvida em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio). Durante o mês de setembro, um passo importante nesse sentido será dado com uma imersão de 17 dias nas Florestas Estaduais (Flota) do Trombetas e de Faro, duas unidades de conservação localizadas no oeste paraense. O objetivo da missão é buscar essas plantas, que muitas vezes contam com um único registro de mais de 70 anos.

image Parte da equipe do Museu Goeldi que trabalha no projeto; profissionais capacitados na metodologia e um legado para a área (André Oliveira/ O Liberal)

No entanto, essa é apenas uma etapa de um longo processo de pesquisa, formação e análise. Grande parte do material utilizado é proveniente do Herbário João Murça Pires, do MPEG, que conta com mais de 230 mil espécimes da flora amazônica.

METODOLOGIA

O trabalho é feito com base em uma seleção de cerca de 500 espécies que foram submetidas à revisão taxonômica. A abordagem permite comparar as listas e inventários existentes com trabalhos científicos a fim de atualizar as informações sobre os nomes das espécies e sua classificação em determinados grupos.

Após a revisão, os pesquisadores passaram a se debruçar sobre a análise de um recorte de 269 espécies, que foram incluídas na plataforma do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), uma base de dados de referência para geração, coordenação e difusão de informação sobre biodiversidade e conservação da flora, onde se inclui dados biológicos e de georreferenciamento para apontar as localidades de ocorrência e avaliar os riscos no  seu entorno, como pressões do desmatamento ou garimpos.

“A metodologia é estritamente científica e replicável. Os nossos passos são escritos, descrevendo de onde nós partimos, como nós chegamos a essa lista das espécies que estão sendo avaliadas e para onde vamos. Dentro dessa lista de 269, nós teremos algumas com grau de ameaça e estarão na plataforma prontas para serem reavaliadas”, pontua a pesquisadora.

image Trabalho é feito com base em uma seleção de cerca de 500 espécies submetidas à revisão taxonômica (André Oliveira/ O Liberal)

A expectativa é que a lista atualizada das espécies ameaçadas da flora do Pará seja entregue ao Ideflor-Bio até o final de outubro. O documento seguirá os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), que levam em conta o tamanho e a distribuição da população, a área de distribuição geográfica e o grau de fragmentação e a taxa de declínio da população.

A partir disso, as plantas podem ser enquadradas nas categorias “Seguro ou pouco preocupante”, “Quase ameaçada”, “Vulnerável”, “Em perigo”, “Em perigo crítico”, “Extinto na natureza”, “Extinta”, “Dados insuficientes” ou “Não avaliada”.

Após a divulgação, as informações devem se tornar um instrumento de apoio ao poder público para o planejamento de estratégias de conservação nas diferentes regiões do estado, assim como de relevância para novas pesquisas científicas focadas na biodiversidade e nas ameaças à flora.

“É preciso saber as espécies que se tem que conservar e, assim, orientar cortes seletivos de madeira ou apoiar o extrativismo de comunidades ou, ainda, identificar quais espécies dessa lista estão sendo utilizadas em grande escala pela população e adotar planos de ação para que elas sejam preservadas”, exemplifica Anna Ilkiu Borges.

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