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Monotonia alimentar: apenas a manga da ‘Cidade das Mangueiras’ não mata a fome de ninguém

Você já ouviu falar em monotonia alimentar? Conheça e entenda suas consequências psicológicas, fisiológicas e nutricionais.

Andreza Alves e Enderson Oliveira

Dentre várias expressões, Belém do Pará também é conhecida como “a cidade das mangueiras”. No entanto, será que existiram e existem tantas árvores do tipo na capital paraense? E mais: você já ouviu que “belenense só passa fome se quiser, pois temos muitas de mangueiras por aqui”. A realidade é que as duas afirmações são complexas e devem ser observadas com atenção.

Segundo a National Mango Board, a manga é uma fruta originária do sul da Ásia, mais especificamente das regiões que conhecemos atualmente como Índia, Mianmar e Bangladesh. Na região norte do Brasil, mais especificamente em Belém do Pará, a manga foi introduzida durante o período colonial pelos portugueses no século XVI. O clima quente e úmido da Amazônia, especialmente em Belém, proporcionou condições ideais para o cultivo da manga. No final do século XIX e início do XX, o plantio de mangueiras foi intensificado pelo então Intendente Antônio Lemos, com a intenção de tornar Belém cada vez mais a ‘Paris N’ América’ e aliviar mais o forte calor na cidade.

Com a presença dos túneis de mangueiras em algumas áreas da cidade, cunhou-se então a identificação com as mangueiras que, de fato, não estão tão presentes em outras capitais amazônicas, como Manaus e Macapá. Isto não significa, no entanto, que existam tantas mangueiras atualmente em Belém.

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A alimentação não pode ser um elemento somente de nutrição, mas também um fator que nos provoque prazer e satisfação durante as refeições e situações vividas. Em casos de monotonia alimentar, que ocorre quando se prioriza a ingestão de determinados alimentos ou grupos de alimentos, seja por escolha ou disponibilidade, algumas pessoas podem ainda apresentar o hábito de hiperfagia, ou seja, ingerem exageradamente alimentos, por carência ou hábito, mesmo quando não existe fome.

Segundo Nascimento, a privação de estímulos necessários ao desenvolvimento pode provocar uma série de desequilíbrios psicológicos. Os distúrbios alimentares não são sempre alarmantes, no entanto, é possível observar certos comportamentos de quem sofreu de restrições alimentares durante a vida.

Geralmente, o indivíduo possui dificuldade de uma quantidade suficiente de digestão, demonstra desatenção com as horas de se alimentar, perde e ganha peso por conta do sofrimento ao se alimentar. Para Caio, não é possível repararmos um histórico alimentar marcado de muitos contextos psicológicos, no entanto: “temos a possibilidade de criar uma relação nova, particular com a alimentação. Aquele indivíduo pode ter várias perspectivas que levaram essa restrição, é um acompanhamento interdisciplinar, que envolve nutricionista, psicólogo, endocrinologista, entre outros profissionais”.

Afirmação errada e perigosa

A afirmação de que “ninguém passa fome em Belém” devido à disponibilidade de mangas (e outras frases semelhantes que podem ocorrer, independente do local), também é dotada de certo preconceito e perigosa, afinal sugere uma resposta/alternativa simples para algo que é bastante complexo. Isto porque, mesmo que fosse possível que a exclusiva base alimentar de alguém fosse manga, o fruto não tem quantidades adequadas de fibras, vitaminas, sais e carboidratos, sem falar que não possuem proteínas, que desencadeariam problemas musculares e neurais. O principal risco da falta de diversidade alimentar é a desnutrição.

“A alimentação não é algo somente fisiológico. Temos mecanismos fisiológicos (necessidade biológica), mecanismos hedônicos (comer o que se tem vontade, desejos e preferências por certos alimentos). Dizer que não se passa fome por ter manda na cidade, é desumanizar as pessoas mais pobres, como se o desejo, a vontade e o direito de outros alimentos fossem apenas para uma parcela da população”, declara a bióloga Ana Paula Castro.

“A diversidade de nutrientes na rotina alimentar é importante para que todo indivíduo tenha aporte adequado para desempenho de suas funções fisiológicas, em todas as fases da vida. Na infância, adolescência, vida adulta, gestação e fase idosa, temos necessidades nutricionais diferentes, e somente uma alimentação variada pode promover saúde adequada”, afirma a nutricionista Jamile Barros, que iniciou na carreira na área da Oncologia e cuidados paliativos. Atualmente, no Instituto Stelis, promove uma abordagem de alimentação saudável, regionalizada e sustentável, integrando considerações éticas e sociais.

Uma rotina alimentar baseada somente em um alimento, portanto, a manga não é capaz de proporcionar o suporte nutricional necessário para a saúde plena do indivíduo. Neste caso, encontra-se a desnutrição Kwashiorkor, caracterizada pela grande deficiência proteica. Segundo a nutricionista: "não há como compensar um estilo de alimentação monótona, a estratégia nutricional adequada seria a reeducação alimentar, ou mesmo a promoção de acesso à alimentação".

Indo além, é necessário discutir a necessidade de políticas públicas efetivas de promoção do direito à alimentação adequada, conforme consta na Constituição Federal de 1988. "A dependência de um único alimento para sobrevivência é sinal de grave insegurança alimentar, que deve ser combatida pelo Estado e sociedade", complementa a nutricionista.

Fome e monotonia alimentar impactam no aprendizado e em processos educacionais

Caso um indivíduo se alimente apenas de manga, ele pode sofrer de anemia ferropriva, por deficiência de ferro; beribéri, pela deficiência de vitamina B1; raquitismo, pela carência de vitamina D, assim como o déficit no crescimento, depressão, apatia e em casos mais graves, confusão mental, insuficiência cardíaca e seu quadro pode até evoluir a óbito.

Para Jamile Barros, a educação e conscientização nutricional depende de uma série de fatores. Além de uma nutrição saudável, é preciso reivindicar por medidas como a redução de impostos sobre alimentos minimamente processados e in natura, maior taxação das indústrias alimentícias pode provocar mudanças no consumo da sociedade.

Recentemente, foi implantada a nova política de rotulagem de alimentos industrializados, proporcionando maior consciência do que está sendo consumido e também um decreto para nova cesta básica, que inclui alimentos in natura e minimamente processados (frutas, legumes, verduras, tubérculos e cereais).

Como se nota, é difícil falar de alimentação (e sua escolha) quando o indivíduo passa fome. Ainda assim, é fundamental, além das estratégias, colaborações e políticas públicas necessárias para combater este problema, observar também que sua resolução obviamente não é simples e que deve ser combatida até mesmo em frases feitas e ditados populares como a que é base deste texto que ora se encerra.

(Texto de Andreza Alves, que é jornalista, mestra em Comunicação, estudante de Psicologia e CEO da Agência Chama; e Enderson Oliveira, jornalista, doutor em Antropologia e editor web em O Liberal)

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