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Pará é disputado por crime organizado e forças federais não resolvem sozinhas, diz especialista

Em entrevista exclusiva à AMZ, Aiala Couto, especialista em segurança da Universidade do Estado do Pará, afirma que apenas trazer forças federais não resolve problema da violência

Conexão AMZ

A jornalista Anna Peres conversou com o Professor Doutor Aila Colares Couto, que realiza pesquisas sobre violência na Universidade do Estado do Pará (UEPA). Na entrevista, ele fala da disputa entre comandos do crime organizado pelo controle de rotas do mercado da droga, no Pará, e reconhece que o alto índice de homicídios no Estado, boa parte deles atribuídos ao envolvimento com o tráfico de drogas e não solucionados pela polícia ou colocados na conta de milícias, são o grande desafio do novo governo. Para o especialista, emprego e políticas sociais são as grandes armas contra a violência. Confira:

Conexão AMZ | Em vários estados brasileiros organizações criminosas estão desafiando as autoridades de segurança pública. Foi assim no Paraná, em Minas Gerais, no Rio Grande do Norte e, agora, no Ceará. O que se sabe sobre a atuação dessas facções aqui no Pará?

Aiala Couto | Podemos dizer que a chegada de facções criminosas de outros estados, como o Comando vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, é algo muito recente no Pará. Essa tentativa de se fixar aqui começa em função de uma necessidade econômica do mercado da droga, que é a de ter acesso às rotas da cocaína que passam pela região amazônica. Hoje, a mais importante delas é a rota do Solimões, que está sobre o controle da Família do Norte (FDN) do Amazonas. Mas o Pará também passa a ser disputado por comandos do crime organizado. Embora recente, já se sabe que temos aqui braços do Comando Vermelho em contato com facções regionais, sobretudo nas periferias da região metropolitana.

AMZ | Quando falamos em violência no Pará chamam atenção dois aspectos: o alto índice de homicídios, boa parte deles atribuídos ao envolvimento com o tráfico de drogas e a maioria não solucionados pela polícia; e as chacinas colocadas na conta das milícias.

AC | Esses, na verdade, são os maiores desafios que o novo governador do estado terá de enfrentar. Como disse anteriormente, o Pará é uma rota praticamente obrigatória para a passagem da cocaína. Uma parte dessa droga, no entanto, acaba ficando no estado para ser comercializada, sobretudo na região metropolitana, que detém um forte mercado consumidor. Mas a existência de um mercado consolidado depende também da organização dos territórios e essa organização é feita por meio de uma “territorialização perversa”, que é quando o narcotráfico impõe a lógica do controle a partir da violência. Paralelamente a isso, existem vários crimes que se intensificam em função do tráfico de drogas (furtos, roubos, assaltos), e é aí que surgem os grupos milicianos que prestam serviços de segurança privada para comerciantes, agiotas, etc.

AMZ | O que pode ser feito?

AC | A melhor forma é criar uma série de estratégias em formas de políticas públicas ou projetos sociais que atinjam, principalmente, as áreas em que o narcotráfico encontra terreno fértil para se estabelecer. Mas não apenas isso. É preciso saber pensar as intervenções de baixo para cima. E, em relação às milícias, a questão é muito mais complexa, já que algumas têm uma relação institucional com a segurança pública. Então, é preciso encontrar uma forma de melhorar o trabalho da polícia, valorizar o policial, prepará-lo melhor, não apenas para o enfrentamento do crime, mas também para atuar como cidadão, impedindo que a corrupção esteja presente na corporação.

AMZ | Uma das primeiras medidas do governador Helder Barbalho foi convocar homens da Força Nacional para reforçar a segurança no estado. Isso pode, efetivamente, contribuir para a redução da violência?

AC | Essa pode ser considerada uma medida emergencial, para tentar dar uma resposta para a insegurança a curto prazo. Por outro lado, sozinha ela não resolve o problema. Em primeiro lugar é preciso pensar na reformulação da política de segurança pública, que deve ser entendida e corresponder o sentido mais amplo do termo. Caso contrário, o que teremos será apenas a reprodução de uma lógica perversa de ação das polícias que resulta, principalmente, no extermínio de jovens negros nas periferias.

AMZ | Você falou em melhorias das condições de trabalho e valorização dos policiais como forma de combater a corrupção na corporação. Umas das medidas anunciadas pelo governador foi a construção de moradias em condomínios exclusivos para agentes da segurança pública. Isso ajuda?

AC | Hoje podemos dizer que sim. Entretanto, colocar todos os policiais em um mesmo lugar não impede que ele sejam alvos da violência e isso pode levá-los a uma auto-organização em nome da segurança corporativista. Ou seja, uma forma de proteção que pode incentivar ainda mais a presença de grupos armados controlando conjuntos habitacionais, como já ocorre em algumas áreas da Região Metropolitana.

AMZ | Em meio a esse cenário a liberação da posse de arma – que deve ser decretada ainda esse mês pelo presidente Bolsonaro – pode contribuir para aumentar a violência?

AC | Com certeza sim, pois a população já vive uma situação de insegurança constante e anda assustada. Não podemos ter a certeza de que nossa população está culturalmente preparada para ter armas em casa.

AMZ | Como o Pará e o Brasil podem enfrentar, efetivamente, a violência?

AC | A questão é muito séria. Hoje, o Brasil é o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo, com facões espalhados por todo o território nacional. A forma mais eficaz de se combater isso é a geração de emprego e renda, educação de qualidade, incentivo aos esporte e às manifestações culturais... Essas são as ações mais importantes para se pensar na construção de uma sociedade mais justa.

Especial AMZ