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O lixo que vira insumo para a indústria

Reaproveitamento de resíduos como matéria-prima ajuda a minimizar a problemática da destinação incorreta dos rejeitos produzidos pela população.

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O que fazer com 214 mil toneladas de resíduos sólidos produzidas diariamente pela população brasileira? Os dados sobre geração de resíduos são do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2017, publicado pela ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, e mostram ainda que cada brasileiro gerou, em média, pouco mais que um quilo a cada dia no ano passado. O estudo mostra também que, no mesmo período, esses itens foram destinados aos aterros sanitários (59,1%), aterros controlados (22,9%) e lixões (18%) sem controle ambiental que prejudicam o meio ambiente.



O lixo é um problema social e ambiental que, para ser solucionado, depende da ação de diferentes atores. O setor industrial tem potencial para contribuir com a destinação ambiental correta dos resíduos. De fato, o tema está na agenda da Confederação Nacional da Industria (CNI) e integra o documento “Propostas da Indústria para as Eleições 2018”, um conjunto de sugestões discutidas e entregues aos candidatos à Presidência da República.

 O documento reconhece que “a superexploração de recursos naturais e o descarte inadequado de resíduos têm levado a problemas ambientais”. Como solução, sugere que “a economia circular pode minimizar esses problemas, ao aumentar o ciclo de vida dos produtos, promover mercados de produtos usados e de reparos, fazer atualização tecnológica de produtos e reaproveitar materiais por meio de reciclagem. É necessário estimular esse tipo de atividade, com financiamento mais fácil e com menor custo, com compras públicas realizadas com critérios de sustentabilidade e com a remoção de barreiras legais e regulatórias.”

 De Ananindeua, na região metropolitana, vem um exemplo de indústria que optou por transformar resíduos em insumo, garantindo uma destinação adequada para os resíduos gerados pela sociedade. A Plasfino, localizada no Aurá, utiliza embalagens plásticas como matéria-prima para a produção integral de baldes e como componente para a produção de carteiras escolares, dando novo destino e utilidade para materiais que poderiam parar nos lixões da região. A empresa se apresenta como a única no Pará que faz o reaproveitamento das embalagens plásticas – especialmente de materiais de limpeza – englobando todas as etapas, da moagem ao produto final.

 Michele Castro, representante da empresa, conta que o processo hoje está estabelecido e a Plasfino tem uma cadeia de fornecedores estabelecida, assim como clientes fidelizados. Mas o início exigiu um esforço da companhia, especialmente para garantir a qualidade da matéria-prima dentro dos padrões necessários para o processo produtivo. “Hoje temos cooperativas que fornecem os resíduos nas condições que precisamos, mas foi preciso capacitá-los quando começamos, mostrar quais materiais podem ser utilizados no nosso processo e como eles devem chegar: limpos e sem elementos inadequados”, relata.

 O reaproveitamento de resíduos apoia a preservação ambiental uma vez que evita o descarte de materiais não degradáveis em rios, florestas e outros pontos inadequados. Mas pode agregar outro fator ambiental quando substitui elementos poluentes, a exemplo do que é feito pela fábrica da Votorantim Cimentos sediada no município paraense de Primavera. A companhia utiliza caroço de açaí como biomassa para gerar energia que abastece os fornos da unidade de produção de cimento, substituindo o coque, combustível fóssil importado dos Estados Unidos. Dessa forma, a empresa garante uma destinação correta dos resíduos de açaí e, ao mesmo tempo, elimina a necessidade de uso de um material altamente poluente.

[caption id="attachment_2564" align="alignnone" width="1024"]Caroço de açaí é a matéria-prima para a produção de energia que alimenta indústria de cimento no nordeste do Pará. Caroço de açaí é a matéria-prima para a produção de energia que alimenta indústria de cimento no nordeste do Pará.[/caption]

Outra empresa que trabalha muito bem o reaproveitamento de resíduos industrias é a Natura, com seu complexo industrial Ecoparque. Ele tem como intuito atrair outras empresas e indústrias que queiram desenvolver negócios sustentáveis a partir da sociobiodiversidade amazônica, alavancando assim a demanda por esta economia de floresta em pé. Inaugurado em 2014, é onde é realizada a fabricação dos sabonetes que abastecem o Brasil e as Operações Internacionais. Em 2015, a Symrise, empresa Alemã de óleos e essências naturais, inaugurou suas operações no Ecoparque, sendo o primeiro parceiro a operar ao lado da empresa no parque industrial. 

[caption id="attachment_2562" align="aligncenter" width="1024"]Parque industrial da Natura em Benevides-Ecoparque. Parque industrial da Natura em Benevides - Ecoparque.[/caption]

Para Sérgio Talocchi, gerente de meio ambiente da Natura, os projetos de gestão de resíduos do Ecoparque trazem benefícios tanto para as comunidades locais quanto internamente. “Para 2019, vamos iniciar o projeto da Compostagem de Alimentos, que reaproveitará restos de alimentos, crus e cozidos, e transformará em adubos, com a proposta de implantar uma educação ambiental, com posterior repasse para as comunidades e prefeitura local para implantação nas residências e sistemas do município de Benevides”, revela.

Outro projeto é a Economia Circular, que significa colocar resíduos no sistema produtivo de outra empresa ou para reuso. No Ecoparque, por exemplo, a massa de sabonete que não foi incorporada à linha de produção e, por algum motivo, vira resíduo é encaminhada para utilização em outras empresas da região, que reprocessam essa massa de sabão e fazem outro tipo de sabão, para uso doméstico.

A Natura também já utiliza as cinzas da queima do briquete (bloco denso e compacto de materiais energéticos, geralmente feito a partir de resíduos de madeira prensada, que a empresa utiliza para gerar calor na caldeira) para fazer compostagem, que junto com a comida se transforma em uma mistura para adubo.

“Também já destinamos todos os recicláveis usados no Ecoparque para empresas da região que já fazem um bom destino deles. Essas empresas passam por um processo de auditoria, a chamada homologação, e só depois de atenderem uma série de requisitos são aprovadas em nosso cadastro na Central de Resíduos”, informa Sérgio.

Por fim, a empresa faz o tratamento de efluentes, que é feito por uma estação primária, tradicional, de tratamento físico-químico (esgoto sanitário e industrial), chamado de sistema de jardins filtrantes, com plantas da biodiversidade local e de diferentes espécies. No Ecoparque, esse sistema possui três lagoas de filtração, e o processo é todo feito exclusivamente por plantas, sendo que o efluente final sai limpo, tanto o orgânico como o físico-químico, e é reutilizado na fábrica.

[caption id="attachment_2563" align="aligncenter" width="630"] Sistema de jardins filtrantes do Ecoparque.[/caption]

Os exemplos da Votorantim, Plasfino e Natura confirmam que o setor produtivo pode colaborar para o desafio de solucionar a problemática do lixo nas cidades. Por outro lado, o documento da CNI indica que educação, simplificação tributária, incentivo à inovação e políticas públicas são alguns mecanismos essenciais para que mais indústrias atuem desta forma, dentro da dinâmica da economia circular.

Rosana Pinto

Especial AMZ