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"Acabou comida, acabou trabalho, acabou tudo"

Em 2018, Belém conheceu a saga dos indígenas venezuelanos. Fugindo da fome, eles acalentam na cidade o sonho de um lugar melhor para viver, mesmo com falta de trabalho e miséria nas ruas

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Ao ver os indígenas venezuelanos pelas ruas de Belém, muita gente se pergunta: o que leva famílias inteiras a abandonarem suas casas, seu país e encararem uma viagem de quase dois mil quilômetros na tentativa de recomeçar a vida? Mesmo que para isso seja preciso enfrentar a barreira do idioma e cultura diferentes? Para Pedro Warao, 43 anos, a resposta é uma só: fome.

Pedro é um dos cerca de 400 indígenas venezuelanos da etnia Warao refugiados em Belém. Há quase um ano, juntou algumas poucas peças de roupa, pegou a mulher e os filhos e se juntou a um dos muitos grupos que partem todos os dias do porto de Delta do Amacuro, na Venezuela.

Era uma tentativa desesperada de fugir da crise que assola o país desde 2014, quando o preço do petróleo, base da economia nacional, despencou em todo o mundo. "Acabou comida, acabou trabalho, acabou remédio, acabou tudo, não tinha mais nada pra fazer lá", fala, gesticula e repete algumas vezes, na tentativa de se fazer entender em uma mistura de português, espanhol e dialetos da língua warao.

Pedro e a mulher, América, 41 anos, fazem parte de um grande grupo comandado pela matriarca Minerva Warao, 42 anos. São 120 indígenas da mesma etnia e grupo familiar que ocupam uma casa de autogestão, em Belém, uma espécie de abrigo com autonomia dos moradores, mas supervisionado pela prefeitura, que pretende entregar mais duas casas nesse modelo aos imigrantes venezuelanos ainda este ano. Os novos abrigos devem receber grupos que tentam se manter por conta própria em imóveis alugados no centro comercial de Belém, a maioria em condições precárias.

RECURSOS


Essa semana, a Organização das Nações Unidas anunciou que pretende arrecadar US$ 738 milhões para destinar, ano que vem, aos países da América do Sul e Caribe que receberam venezuelanos. A crise no país vizinho foi incluída, pela primeira vez, no no plano humanitário anual da ONU. Em junho, a Prefeitura de Belém, assim como outras capitais da Região Norte, já havia decretado estado de emergência para conseguir, junto ao governo federal, os recursos necessários para prestar assistência aos venezuelanos.

Além de abrigo, alguns já foram inscritos no Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social e recebem o Bolsa Família. Mas a presidente da Funpapa, órgão de gestão da política de assistência social do município, Adriana Azevedo, admite que a integração é um grande desafio. "A questão da escolaridade, a questão da língua, tudo isso são fatores que agravam o cenário", explica.

Entre os waraos que se encontram em Belém, a maioria não sabe ler ou escrever, muitos ainda não falam português e nenhum deles exerce uma atividade que possibilite uma inserção imediata no mercado de trabalho.

Minerva, a líder e também a mais articulada do grupo, conta que, na Venezuela, eles costumavam produzir e comercializar artesanato. Em parte era assim que conseguiam dinheiro, mas também recebiam benefícios sociais que deixaram de ser pagos pelo governo de Nicólas Maduro no auge da crise.

"Era pouco, mas a comida era muito barata, então dava pra viver. Agora não, agora a comida ficou muito cara. Sem dinheiro, sem comida, não dava pra continuar lá", conta, enquanto acompanha o preparo do almoço daquele dia: arroz, macaxeira e frango.

MUDANÇA


Mulheres e meninas trabalham igualmente. As crianças também acompanham os adultos em um hábito adquirido com a miséria e que se tornou comum pelas ruas de Belém: a mendicância.

Adriana explica que a assistência prestada pela prefeitura garante a alimentação nos abrigos e tenta combater a prática, principalmente na presença das crianças, mas não é fácil. "Quando eles atravessaram a fronteira geográfica, atravessaram também uma fronteira jurídica, então estamos o tempo todo explicando o que é ou não permitido. A exploração do trabalho infantil é um desses pontos."

Pedro, América, Minerva, o filho dela, Junior, de 20 anos, que em breve será pai do primeiro brasileirinho da família, dizem que estão se esforçando para aprender o idioma, a cultura e o modo de vida dos brasileiros. Eles fazem parte de um grupo que pretende adotar o Brasil como pátria e Belém como novo lar. "Voltar? Não, não queremos voltar. Nossa vida agora é aqui. Queremos trabalhar aqui, com o nosso artesanato", planeja a matriarca.

Minerva e a família passaram por quatro cidades - Santa Helena, ainda na Venezuela, Pacaraima, em Roraima, Manaus, no Amazonas, e Santarém, já no Pará - até chegar à capital paraense. Foram meses atravessando rios, pegando carona nas estradas e caminhando vários quilômetros, mas ela, agora, espera que para o seu clã o êxodo venezuelano tenha finalmente acabado. 2019 escreverá os próximos capítulos da história dessas famílias, que têm para o ano novo o sonho de encontrar aqui uma vida melhor.

Especial AMZ