Elas entram em campo e matam o preconceito no peito
Conheça as paraenses empoderadas que batem um bolão e marcam um gol de placa ao mostrar que a paixão pelo futebol não tem idade, classe social nem gênero
Há 40 anos, quando o futebol feminino era proibido por lei no Brasil, o dia 13 de junho era apenas o Dia de Santo Antônio. Na tradição, era o dia ideal, principalmente para as mulheres, para fazer ao santo pedidos e promessas para ter um bom casamento.
Ainda bem, esse tempo passou e, hoje, 13 de junho de 2019, o pedido é que a nossa Seleção Feminina de Futebol continue fazendo bonito e vença o segundo jogo da Copa do Mundo contra as australianas, logo mais às 13h.
Paixão também por aqui
Em Belém, nas terças e sábados, um grupo de quase 20 mulheres tem compromisso: com uniforme preto com detalhes rosas, chuteiras prontas, cabelos presos com rabo de cavalo, soltos ou semipresos, elas entram em campo para literalmente ‘jogarem como garotas’. As atletas são jornalistas e fazem parte do Imprensinha, time de futebol feminino criado há três anos.
Ao longo desse tempo, o Imprensinha foi ficando famoso e deixou de ser o único em Belém. “O Impresinha surgiu mais como diversão de final de semana. Depois, a coisa foi ficando séria, fomos treinando com mais regularidade, confeccionamos uniformes, bandeiras, procuramos treinador e fomos ficando bem-procuradas para amistosos. Acredito que a procura não é só porque somos jornalistas, mas porque somos um time organizado, mesmo. E isso é bom, prova que tem outras mulheres treinando”, comenta a atacante do Imprensinha, Nathalia Lima.
O elenco de jogadoras do Imprensinha foi mudando. Algumas atletas engravidaram e tiveram que aprender a lidar com mais esse desafio. Mas, não faltaram coragem e incentivo das colegas de gramado. “Algumas de nós ficaram grávidas. Inclusive eu. E foi muito bacana, pois nos apoiamos, incentivamos pra retornar, compartilhamos os dramas de não ter com quem deixar as crianças, às vezes as levamos para as partidas e treinos e isso foi bem importante”, destaca a jornalista.
Mas, a paixão das meninas pelo futebol ainda esbarra no preconceito. “A resistência é histórica, sempre existiu. Por mais que hoje haja apoio e incentivo da família, amigos e companheiros, a partir do momento que você decide jogar bola com seriedade, essa resistência fica mais evidente. Quando a gente abre mão de estar com a família ou de fazer uma programação diferenciada com o namorado, rola um pouco de reclamação. Mas, acredito que, assim como o horário do futebol é sagrado e respeitado para os homens, pra gente também é. Na teoria, o apoio existe. Mas, na prática, ainda esbarramos em algumas questões e cobranças”, diz a atacante.
Para a publicitária e produtora de conteúdo Natália Paixão, a Copa do Mundo de Futebol Feminino vai além do jogo em si. É mais um passo da luta secular de mulheres por seu espaço. “Nós já fomos proibidas de jogar no país. Hoje, temos uma seleção e a Copa de Futebol Feminino está na 8º edição, enquanto a masculina tem muito mais. A diferença salarial entre as seleções ainda é imensa e só agora elas ganharam um uniforme adaptado ao corpo feminino, por exemplo. Ainda falta muito para alcançar o que seria o “ideal” de igualdade. É um processo muito lento, mas que a gente consegue perceber várias mudanças importantes”, ressalta Natália Paixão.
Na estreia do Brasil na Copa de 2019, Natália, a jornalista Carol Amorim e a empresária Carol Taveira fizeram o “Mata no peito”, um evento aberto ao público com transmissão da partida contra a Jamaica, que contou com o protagonismo feminino em uma programação com pocket show, discotecagem, exposição e venda de produtos, oficinas para crianças, bory piercin e tatuagem. “A Copa feminina ganhou mais visibilidade, repercussão e conscientização este ano. Não na mesma proporção que a masculina. A gente sabe que na Copa masculina as empresas param, as escolas liberam, os bares abrem. Ainda não chegamos nesse ponto. Mas, depois do ‘Mata no Peito’, muitas pessoas nos procuraram pra saber se faríamos a transmissão do segundo jogo. Sempre pesquiso muito sobre o tema. Hoje, as marcas também já se mobilizam nesse sentido. O Guaraná Antárctica, por exemplo, fez uma campanha em que estimula outras marcas a apoiarem o futebol feminino. E essa movimentação ajuda a criar uma nova cultura, a divulgar que existe outra seleção de futebol que não é só a masculina”, destaca a publicitária.
Para a jornalista Nathalia Lima, esse momento de Copa do Mundo é singular pela participação ativa de mulheres no gramado, na cobertura, nas arquibancadas e assistindo às transmissões. “Acredito que esse paradigma de futebol não ser coisa de mulher ainda vai demorar um pouco pra ser totalmente quebrado. Mas, esta Copa está sendo diferente. A gente pode notar pelas coberturas feitas por mulheres, que não são só um rosto bonito, mas são donas de um conhecimento técnico muito bom. Notamos também pelo consumo de materiais como camisas da seleção com o nome da Marta. Com esse Mundial, a gente se sente feliz e acolhida, porque o futebol era um esporte proibido e a mulher teve que brigar por esse espaço, como sempre a gente brigou, pra conquistar algo melhor”, desaba.
“Desde criança, sempre gostei de futebol. Era a atividade onde eu me sentia bem, eu percebia que coisas como balé ou dança não eram pra mim. Na escola, eu participava de campeonatos estaduais etc. Então, o futebol sempre fez parte da minha vida, para jogar ou acompanhar. Cresci e adulta encontrei outras mulheres com a mesma paixão”, comenta uma entusiasmada Nathalia Lima.