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Poluição sonora: com queda de denúncias, Pará planeja estratégia para combater o crime no estado

Na Grande Belém, o número de queixas por ruídos residenciais superam os por barulho em via pública e estabelecimentos comerciais

Camila Guimarães e Fabyo Cruz
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O número de denúncias de poluição sonora e perturbação da tranquilidade caiu pelo segundo ano consecutivo no Pará. De janeiro a outubro deste ano, foram registradas 71.971 ocorrências via Centro Integrado de Operações (Ciop), 36,6% a menos do que o registrado no ano passado, que também já tinha contabilizado 7,8% menos denúncias do que em 2020, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup). Apesar disso, um Grupo de Trabalho (GT) composto por órgãos de segurança planeja estratégias para atender de forma mais eficiente esse tipo de problema.

O delegado Waldir Freire, titular da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (Demapa) da Polícia Civil do Pará (PC) atribui a diminuição do registro de queixas ainda a um reflexo da pandemia de covid-19, que impôs o fechamento de muitos estabelecimentos que costumavam estar entre os principais apontados como causadores de poluição sonora e perturbação da tranquilidade, como bares e casas de show, por exemplo. Hoje em dia, o cenário mudou:

“Com os bares fechados, as casas noturnas também, isso se refletiu nesse período de queda nas denúncias em 2020 e 2021. Mas, em contrapartida, o problema se manteve ainda por causa da poluição sonora e perturbação do sossego alheio que é feito mais em residências. É uma peculiaridade observada em Belém”, aponta o delegado.

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Um balanço, feito com base nos registros do Ciop, mostram que 34,9% da perturbação e poluição sonora em Belém são registradas em residências. A mesma tendência se repete em Ananindeua (36,2%), Marituba (36,7%) e Benevides (39,9%). Na capital paraense, o bairro com maior incidência do problema é a Pedreira, local onde são feitas 7,34% das queixas de toda a cidade.

Uma moradora do bairro, que já vive há 24 anos em uma residência na Rua Nova, confirma a realidade do problema. Com medo de sofrer retaliações de algum vizinho, ela preferiu não se identificar, por isso, será chamada pelo nome fictício Ana. Ela conta que as queixas por extrapolação de ruídos na vizinhança é constante, que moradores já chegaram a fazer abaixo-assinado e uma série de denúncias, mas o problema permanece e não é de hoje.

“Mesmo quando estava em pandemia, tinha barulho. Ainda na pandemia, no carnaval, chegaram a fazer uma festa aqui, fechando um pedaço da rua, e o barulho vibrava nas casas. Tem carro de som, bar que começa a fazer barulho também. Principalmente em dias de jogo. Agora na copa eu quero ver como vai ser. Geralmente começa de tarde e vai até a madrugada. A gente não consegue dormir, o eco é muito forte”, Ana relata.

Como uma das principais reclamações de quem denuncia é que, logo após a passagem da polícia pelo local, os denunciados voltam à prática ruidosa, o delegado Waldir Freire comenta que um Grupo de Trabalho vem sendo coordenado pelo Ciop para desenvolver estratégias mais eficientes contra o problema:

"Nós estamos elaborando um padrão de atendimento para esse tipo de denúncia, envolvendo a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, a Secretaria de Meio Ambiente, o Detran e a Semob. Porque nós temos diversas maneiras de poluição. Nós vamos abordar esse enfrentamento tecnicamente, vendo como cada órgão pode contribuir para atender melhor esse tipo de denúncia".

image O delegado Waldir Freire, da Demapa, diz que apesar da queda do número de casos registrados, há planos para um grupo de ação para coibir a perturbação do sossego e poluição sonora (Thiago Gomes / O Liberal)

Efeitos de exposição à poluição sonora

A psiquiatra Camila Machado afirma que o barulho do trânsito, da construção ou de uma rua movimentada nos afeta mais do que pensamos. A médica explica que a poluição sonora é todo e qualquer ruído que possa causar danos à saúde. “São diversas as situações que provocam desconforto acústico, desde uma pessoa falando alto, até o ruído de um avião decolando. Ela acontece quando o som altera a condição normal da audição em um espaço e muitas pessoas não se avaliam como se também não ocasionassem barulho”, explicou. 

Camila diz que o barulho é um estímulo antigo para o nosso sistema de alerta, uma vez que no passado precisávamos dos sons para poder saber se estávamos em perigo ou não. A especialista conta que a superestimulação auditiva pode ativar a amígdala, uma parte cerebral que faz o sistema de alerta ficar ativado e causando irritação, além da diminuição da concentração e até agressividade. 

“Sabemos que a poluição sonora pode causar danos auditivos, temporários ou permanentes, mas seus efeitos negativos em nível psicológico também são importantes e facilmente perceptíveis. Uma das mais comuns e preocupantes é o seu efeito no repouso. O ruído impede o sono tranquilo e pode gerar diversos distúrbios relacionados, como insônia ou sono fragmentado e de má qualidade”, afirmou Camila. 

Ela ressalta que esse tipo de poluição também dificulta a concentração e interfere no funcionamento cognitivo e na memória. “Quando estamos expostos a ruídos ambientais, não conseguimos pensar com clareza, cometemos mais erros de execução e demoramos a concluir nossas tarefas. Além disso, a poluição sonora, sem dúvida, afeta nossas emoções, gerando irritabilidade, agressividade e desagrado. Os altos níveis de estresse a que nos submete não só levam ao desconforto pessoal, mas também afetam nossas relações sociais, aumentando a presença de conflitos e também inibindo o desejo sexual”, esclareceu.

“Ou seja, o prolongamento destas situações pode levar a estados crônicos de inquietação, stress, ansiedade e provocar perturbações psicológicas. O incômodo que estes ruídos lhe provocam levam a intranquilidade, inquietação, ansiedade e podem mesmo  levar à depressão. O oposto de uma sensação de bem-estar físico e mental”, concluiu.

Perturbação e poluição sonoras não são iguais; ambas podem ser denunciadas

O delegado da Demapa, Waldir Freire, explica que existem duas práticas envolvendo a extrapolação de ruídos que são legalmente diferentes, porém, ambas passíveis de denúncia e de penalidades diante da Justiça: a perturbação do sossego alheio e a poluição sonora propriamente dita.

“Há uma diferença entre poluição sonora e perturbação do sossego alheio. A perturbação é uma contravenção penal, prevista no artigo 42 da Lei de Contravenções Penais. São ruídos, algazarras, sons repetitivos, como de uma máquina, por exemplo. Isso tudo constitui uma contravenção penal, que não é um crime, é uma infração penal menor. Já a poluição sonora é prevista na Lei de Crimes Ambientais, Lei 9.605, artigo 54. Ela tem na forma dolosa, quando alguém quer realmente causar dano à saúde de alguém; e de forma culposa, quando a pessoa não quer prejudicar, mas contribui”, explica.

O delegado enfatiza que a poluição sonora é caracterizada por barulhos constatados acima de 50 decibéis à noite ou acima de 55 decibéis durante o dia, e que a agressão ou possível agressão à saúde do indivíduo é um critério determinante. Por isso, é um crime que precisa passar por perícia para ser comprovado: “A poluição sonora requer uma perícia técnico-científica para constatar que houve a extrapolação do nível de emissão sonora, de acordo com a regulação do Conama e da regra da ABNT”, informa o delegado.

Por outro lado, a perturbação do sossego alheio se baseia no fato de o denunciante se sentir incomodado ou prejudicado de alguma forma pelo barulho, e a denúncia pode ser feita apenas com base em relatos de testemunhas, apesar de que, como no caso da entrevistada no bairro da pedreira, muitas pessoas se sintam temerosas de denunciar devido à possibilidade de retaliação por parte dos acusados, conforme percebe o próprio delegado:

“Trazer testemunhas é uma forma de provar sua denúncia, apesar de que muitas pessoas não querem se comprometer. Alguns chegam a temer por sua vida, porque são ameaçados caso denunciem, por exemplo. Então a gente faz uma investigação, um relatório, junto à vizinhança, e nós encaminhamos à Justiça. É uma forma de termos certeza de que a pessoa vai ser atendida”.

 Apesar de diferentes, tanto a poluição sonora quanto a perturbação do sossego alheio podem e devem ser denunciadas, diz Waldir Freire, uma vez que a ambos os casos cabem penalidades legais: “A pena por perturbação do sossego é de três meses a um ano, igual a de poluição sonora culposa, quando a pessoa não tem intenção de agredir a saúde do outro. Já a poluição sonora dolosa, quando há a intenção de agredir, é de um a quatro anos de reclusão”.

A extrapolação de ruídos, seja por poluição sonora ou perturbação de sossego, pode ser denunciada via Ciop no número 190, ou também pelo Disque-Denúncia nos dígitos 181 ou no Whatsapp (91) 98115-9181.

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