Extração de látex resiste e oferece autonomia financeira a seringueiros

Atividade preserva conhecimento ancestral aliando sustentabilidade e economia

Maycon Marte

Marcada nas seringueiras e na memória do estado, a extração do látex, que já foi principal atividade econômica no Pará, segue viva levando autonomia financeira a famílias extrativistas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos cinco anos (2018 a 2022), a produção paraense cresceu 8,1%, entre áreas de vegetação espontânea e de cultivo.

No estado, iniciativas sustentáveis como a cooperativa ‘Seringo’, recuperam essa economia através do artesanato feito com a borracha natural. “O artesanato pode chegar até 200 reais na mesma quantidade de látex para um quilo de borracha. E, para a biojoia, pode chegar até 2 mil reais por quilo de látex, então é uma agregação de valor muito grande no artesanato e na biojoia”, afirma Francisco Samonek, representante da entidade.

O período da borracha vivido aproximadamente entre 1911 e 1912 representou excessos de riqueza na capital, revertidas em grandes empreendimentos e serviços, até hoje visíveis pelas ruas de Belém, como aponta o professor e historiador Michel Pinho: “como essa quantidade de volume de capital foi muito grande, grandes transformações foram feitas, como as praças Batista Campos, Praça da República, o arruamento, o processo de edificações mais diversas, construção de palacetes e também de serviços básicos como o saneamento e luz elétrica”, explica.

image Produção de couro ecológico movimenta a economia de comunidade da Flona Tapajós, em Belterra
A matéria-prima para produção de couro ecológico é o látex extraído das seringueiras e é um exemplo de empreendedorismo comunitário, já que a produção é feita pela própria comunidade

À medida que a competitividade com o látex produzido na Malásia cresceu, a capital paraense deixou de ser o principal porto exportador da matéria-prima. No sudeste asiático, a atividade seringueira foi resultado de uma ação coordenada pela Inglaterra, que detinha colônias na região. Entre as vantagens competitivas que a exploração na Malásia propiciava, Pinho destaca “a diminuição de impostos, que eram dez vezes menos que na região do Pará e também a utilização em grande parte de mão de obra muito barata da Ásia para a extração do látex”.

Potencial e Ancestralidade

“Seringal nativo é produtivo”. A afirmação partiu do engenheiro agrônomo Paulo Soares, que dedicou pelo menos vinte anos ao estudo da borracha no estado, sendo um dos autores do Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Seringueira no Estado do Pará (Proser). A partir de testes realizados com famílias extrativistas no Marajó, o agrônomo comprovou o potencial econômico dos seringais nativos, em especial, para populações economicamente vulneráveis. “Pegamos 30 famílias que tinham uma renda de meio salário mínimo, treinamos essas pessoas, doamos o kit seringueiro… e em seis meses essas famílias passaram para dois salários e meio, em um ano, elas foram para três salários mínimos”, relata.

Além da geração de renda, as condições ambientais e climáticas da região amazônica se somam para potencializar a atividade. Segundo o especialista, a rentabilidade está na produção da borracha natural, que utiliza vegetação espontânea, sem a necessidade de investir tempo e recursos como nas áreas de cultivo. Dados do IBAMA apontam que o Pará possui 35 milhões de seringueiras adultas, prontas para a sangria do látex. Desse total, 15 milhões estão no Marajó, onde o projeto de desenvolvimento tem se concentrado.

Desafios

Apoio financeiro e competitividade com sintéticos são os principais entraves para uma nova escalada da atividade econômica. Diferente da borracha natural, o produto sintético é resultado da transformação química de hidrocarbonetos em complexos processos industriais. Apesar do potencial competitivo do material sintético, devido ao seu menor custo de fabricação, a ausência da resistência à tração e outros impactos na borracha sintética a tornam insuficiente.

“A borracha natural possui propriedades dinâmicas excepcionais como elasticidade, resistência à tração e abrasão, flexibilidade, permeabilidade a gases e durabilidade que favorecem a sua utilização como matéria prima para a fabricação de mais de 52 mil produtos”, explica Soares. “Não existe pneu de avião de borracha sintética, tem que ser de borracha natural porque ela é resistente à abrasão”, afirma.

Para Francisco Samonek, do Polo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais (POLOPROBIO), o maior desafio dos produtores é o “acesso a recursos suficientes para se organizarem novamente e poderem iniciar o desenvolvimento de suas atividades”. O especialista que atua diretamente com seringueiros, enfatiza necessidade de equipamento e custeio da mão de obra dos seringueiros na retomada da atividade. 

Mercado sustentável

No cenário mundial, o Brasil já carregou o título de maior exportador de borracha natural e, atualmente, na 7ª posição, com uma contribuição de apenas 0,8% da produção mundial, o país importa pelo menos 76% do que precisa da matéria-prima. O gasto com essa dependência é de em média US$ 1.234.000.000 por ano, recurso que auxilia a geração de emprego de outras economias. Em contrapartida, a produção da borracha natural representou no Pará, segundo o IBGE, um contingente de 35 toneladas até o ano de 2022.

A nível nacional, embora São Paulo seja atualmente o principal produtor entre os estados da federação, iniciativas retomam a cadeia produtiva do Pará e reacendem o incentivo aos seringueiros. Em Castanhal, a cooperativa ‘Seringô’, foca em uma rede de extrativistas que sempre atuaram no setor, agora para produção e comércio de artesanato, a partir da borracha natural. De acordo com os seus representantes, Francisco Samonek e Maria Zélia, todos os membros da família se beneficiam, além da renda com a extração, os parceiros também confeccionam e vendem os artesanatos decorrentes da borracha.

Para eles, conhecidos principalmente pelos calçados de borracha, “a grande maioria das indústrias de calçados, ainda não conseguiu implantar processos produtivos que gerem produtos sustentáveis, mas, urgentemente, terão que migrar para soluções mais sustentáveis”, ressaltam.

Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱
Economia
.
Ícone cancelar

Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo!

Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é.

Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos.

Por favor, desative ou remova o bloqueador de anúncios do seu navegador para continuar sua navegação sem interrupções. Obrigado!

ÚLTIMAS EM ECONOMIA

MAIS LIDAS EM ECONOMIA