Umarizal: raízes na pobreza e no povo negro

Perfil socioeconômico do bairro, um dos mais antigos de Belém, mudou drasticamente com o passar dos anos

Victor Furtado / Redação Integrada de O Liberal
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Quando o bairro do Umarizal começou a ser ocupado, no século XVI, nem de longe a área parecia com o que é hoje. Não havia habitações luxuosas e nem comércio moderno. Muito menos era uma área centro de atenções para desenvolvimento. Era apenas um terreno alagado, cheio de mangues, capim e umaris, uma fruta que à época existia em abundância e que deu nome ao bairro. Mas não há mais registros de umaris no Umarizal. E nem é mais um bairro majoritariamente de pessoas negras, pobres e com forte presença da cultural africana.

Quem começou a abrir as ruas e iniciar o desenho do bairro do Umarizal, do que mais ou menos é hoje, foi o intendente José da Gama Malcher. Foi na década de 1880, como destaca a historiadora Luciana Marinho, professora da Unama. Mas realmente era difícil desenvolver naquela área para as condições da época. Por isso, era um território onde pessoas mais pobres tentavam fixar residência. Geralmente eram os empregados das elites que ocupavam a Cidade Velha, a Campina e Nazaré.

Como era um lugar de pessoas mais pobres, na maioria negros e descendente de escravos, havia uma presença cultural de matriz africana, tanto na música quanto na religião. Havia vários terreiros e bares dedicados a manter vivo esse movimento. A desconstrução dessa contracultura é um fenômeno mais recente.

O porquê da mudança no perfil do Umarizal tem nome: Antônio Lemos. Historiadores e urbanistas concordam, de um certo modo, que foi esse o intendente que planejou Belém para o futuro. Minimamente para o futuro. Foi na gestão dele que a cidade se transformou, devido à intenção dele de transformá-la numa "Paris n'América", um retrato da arquitetura e desenvolvimento de cidades europeias no Brasil. 

image Ainda há resquícios dos imóveis históricos do Umarizal de antigamente (Ar Souza / Redação Integrada de O Liberal)

 

Foi assim que o bairro do Umarizal perdeu a chance de ser o bairro do samba e do amor. Esse título ficou com a Pedreira, um dos bairros formados por essa segregação intencional a partir do Umarizal. O que hoje são ruas com nomes de militares e pessoas com títulos distintos, como Visconde de Souza Franco, Marechal Hermes, Almirante Wandenkolk, Senador Lemos, antes eram ruas com nomes de artistas e revolucionários cabanos. O que antes era um bairro de pobres, hoje é uma área com a principal experiência de verticalização habitacional e comercial. O que era uma zona essencialmente de moradias, se misturou a um intenso comércio.

Contrastes do passado e do presente

No século XIX, diz a professora, havia um senhor chamado Mestre Martinho, natural de Óbidos e instalado no Umarizal. Ele foi o primeiro a organizar a Festa do Divino Espírito Santo, em 1948, que durava 15 dias, como relata a obra 'O Negro no Pará', de Vicente Sales. Havia muita comida, danças, bailes, cordões de boi bumbá.

"Até o final dos anos 1960 era um bairro muito popular. Mas em função da economia da borracha, na época Lemos, começaram a surgir casarões no bairro. Onde hoje está a Doca, antes estava o Igarapé das Almas, onde lavadeiras iam lavar roupas. E por lá chegavam barquinhos com ribeirinhos, que vinham vender mercadorias como frutas, peixes e carvão. O acesso foi fechado em 1964 e noticiado, à época, como o fim do comércio local", destaca a historiadora. Desde aquela época, era uma área que já alagava.

O igarapé das Almas dividia os bairros do Umarizal e do Reduto. No Reduto havia um primeiro processo de desenvolvimento. Era onde estavam algumas fábricas e comércios. Geralmente, os trabalhadores moravam no Umarizal e iam trabalhar no Reduto. Ou iam estudar no Reduto. Era uma questão de cruzar o canal.

image O canal da Doca era chamado de Igarapé das Almas, uma importante conexão entre ribeirinhos e o comércio no centro da Belém antiga (Ary Souza / Redação Integrada de O Liberal)

O samba era um tônica na intensa vida noturna do Umarizal, que atraía não só os boêmios, mas também intelectuais e artistas diversos. Luciana destaca que o bairro é lar de uma das escolas de samba mais tradicionais de Belém, a Quem São Eles. Tó Teixeira, um músico paraense renomado e que dá nome à lei municipal de incentivo à cultura, era uma das figuras de destaque. Havia outros nomes, como Santa Cruz, Aluísio Santos, Artemiro Pontes Souza (Bem-Bem), Raimundo Canela e Raimundinho Pinheiro.

O Umarizal fedia pelas criações rústicas de gado

Antes da forte especulação imobiliária e elitização, que hoje coloca o Umarizal como um dos metros quadrados mais caros de Belém, era uma área que detinha outra característica cultural da época pré-shopping center: as vacarias. Eram criações de gado leiteiro muito rústicas.

O Umarizal, pontua a historiadora, fedia. Muito. Era insalubre morar ou passear por onde havia vacarias. O contraste com a atualidade é que, quem passa ao lado do canal, na Doca, ao menos hoje, sente um eventual cheiro dos sabonetes da Phebo.

A partir de 1990, o Umarizal se tornou um centro de diversão noturna, como na Almirante Wandenkolk. "Cada vez mais o poder público precisa estar atento à violência, em função dos bancos e bares. É uma forma diferente da violência das periferias. Há muitos assaltos visando as pessoas com maior poder aquisitivo", analisa Luciana.

image O Complexo Ver-o-Rio é um dos principais pontos turísticos do Umarizal, onde a vida noturna e o comércio são os carros-chefes da cultura e do entretenimento (Ary Souza / Redação Integrada de O Liberal)

Atuais marcos turísticos do bairro são o próprio Boulervard Shopping (onde antes era uma espécie de shopping center horizontal, o Doca Boulevard); o teatro universitário Cláudio Barradas e a Escola de Teatro e Dança da UFPA; e o complexo Ver-o-Rio.

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