Moradora vê com tristeza abandono do patrimônio histórico

Dona Filomena Coelho, de 72 anos, está no bairro de Nazaré desde os dois anos de idade. Habita hoje uma das poucas casas remanescentes do início do século XVIII. Seis gerações passaram pelo imóvel, que já viu 114 Círios de Nazaré. Há 28 anos atrás, eram uma tia-avó e a mãe dela que falaram da passagem do tempo no bairro a O Liberal. Agora é ela quem conta que o bairro mudou muito desde a infância dela. Algumas coisas para melhor, mas outras nem tanto. E vê com preocupação o abandono do patrimônio histórico de Belém. Sobretudo no bairro onde vive há tanto tempo.

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A casa foi fundada em 1904 por dois irmãos, que moraram por menos de um ano. Mas um fato político os levou, com muita pressa, ao Rio de Janeiro. O bisavô de Filomena comprou, "à época, a peso de ouro e prata" por 40 mil reis e mais 10 mil pelos lustres de cristal. A negociação foi muito rápida. Em 1914, a família estava instalada e começando uma história em um dos primeiros imóveis da avenida Nazaré. A casa número 50 hoje é 242, após duas mudanças de numeração.

O bisavô teve nove filhos. O avô dela teve mais nove filhos. A mãe de Filomena, que era a mais velha, teve 12 filhos, mas saiu de casa para viver com o marido. Quase todos os irmãos conviveram com ela na casa, mas só três permaneceram por mais tempo. Atualmente é a única guardiã das memórias, brasão, história e passagem do tempo que a família presenciou no imóvel. "Acredito que alguém da família vai ficar com casa no futuro", diz. O local conserva as mesmas características originais. Anualmente, ela é visitada por arquitetos e técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para uma vistoria. É a responsabilidade de morar num imóvel tombado.

Foram muitas mudanças, conta Filomena. Mas a que mais chama atenção dela é o trânsito e o barulho. Até a adolescência, relata ter sido um bairro tranquilo e silencioso. Era possível atravessar a avenida Nazaré de forma descuidada, praticamente sem o perigo atual de atropelamento. Os trabalhadores saíam para o trabalho de paletó e gravata e voltavam, na hora do almoço, para a sesta. "Incrivelmente, ninguém era gordo!", brinca. Todas as casas ficavam fechadas para o descanso das famílias.

Poucas casas originais permanecem. Nem todas em bom estado. Ela lembra de quando os imóveis do bairro viviam cheios de gente, de famílias inteiras. A casa dela ainda viu o final do período de escravidão. Até o porão da casa era habitado. Recentemente, ela descobriu um habitante indesejado do porão que lhe furtou alguns pertences, cinco tábuas e matou um gato. Essas são duas coisas que ela considera negativas com o passar do tempo: abandono das casas que hoje são patrimônio e a violência. Ela já foi assaltada algumas vezes. O pouco que mudou na estrutura da casa foi para melhorar a segurança. Agora ela precisa trancar tudo se quiser evitar dor de cabeça. No passado, não era assim.

"A violência é uma grande mudança. Até um sino, que tocava quando alguém entrava em casa, levaram. A maioria são dependentes químicos. Alguns eu até conheço pelo nome. Enquanto isso, a beleza da cidade é desprezada. Fico triste em ver casarões abandonados. O antigo deu muito trabalho para ser construído e é precioso. Doloroso ver uma cidade assim", pondera Filomena. Em contrapartida, vê com empolgação o transporte público, a expansão dos comércios e serviços, a chegada da energia elétrica e da água encanada e o avanço das comunicações.

Quanto ao Círio, Filomena afirma que há uma relação muito íntima entre a família e a Virgem de Nazaré. Uma tia-avó se chamava Maria de Nazaré. Nas histórias da família, uma tia-avó dela ficou doente e, no dia do Círio, na passagem da santa, pediu pela saúde. Ficou curada. Uma sobrinha pediu para que a irmã conseguisse engravidar. No dia do Círio do ano seguinte, nascia o bebê. "Não há quem a santa não atenda", observa, lembrando que as fotos da família mostram que no passado, a berlinda não era nem de perto tão luxuosa quanto agora. Era um carro menor e com rodas.