Belém tem 1,8 mil pessoas vivendo em situação de rua, aponta Funpapa

Especialista analisa realidade da capital paraense e apresenta soluções viáveis para o enfrentamento da pobreza e demais dificuldades socioeconômicas

O Liberal

O número de pessoas em situação de rua no Brasil aumentou 935,31% nos últimos 10 anos. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), até agosto de 2023, o país atingiu 227 mil indivíduos nesse cenário. No Pará, essa quantidade chega a aproximadamente 22 mil pessoas. Somente em Belém, estima-se que existam cerca de 1,8 mil cidadãos vivendo em situação de rua, segundo a Prefeitura do município, com base em dados da Fundação Papa João XXIII (Funpapa). Essa situação na capital paraense também expõe uma realidade de pobreza, que é detalhada por moradores que vivem com pouco ou mesmo nenhum recurso financeiro, em áreas de vulnerabilidade, em bairros periféricos da cidade. Um especialista em economia aponta quais os desafios socioeconômicos e as soluções emergenciais para o enfrentamento da pobreza e demais dificuldades que emergem dessa condição.

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Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a pobreza é uma condição socioeconômica onde faltam recursos financeiros e materiais necessários para atender às necessidades básicas de uma vida digna. Isso inclui alimentação adequada, moradia, acesso à saúde, educação, vestuário e outros elementos essenciais para a subsistência e participação plena na sociedade. Esses problemas estão intrinsecamente relacionados ao fenômeno da população em situação de rua, que são conhecidas popularmente como “moradores” de rua ou sem teto. Além disso, a quantidade de pessoas vivendo nas ruas pode variar devido à entrada ou saída de indivíduos da extrema pobreza, bem como devido a óbitos ou migrações. 

Apesar do perfil dessas pessoas ainda não ter sido definido, questões como dependência química, problemas mentais, conflitos familiares e desemprego estão entre os motivos mais comuns que levam indivíduos a deixarem seus antigos lares. Na avenida Presidente Vargas, bairro de Nazaré, Francisco Pereira dos Santos, de 60 anos, vive juntamente com outros moradores de rua. Dependendo de doações de dinheiro, comida e roupas, ele sobrevive no local há cerca de dois anos, desde que teve um desentendimento familiar e saiu de casa.

“Problemas da vida e as coisas mudam de uma hora para outra. Tem a família também e problemas com amizades e amigos. É um conjunto de problemas. Eu vim para Belém sem local para ficar e tinha um dinheiro para receber aqui também, mas não me pagaram. Tudo descaminho e fiquei morando na Praça da República”, relata.

image Francisco Pereira dos Santos (Imagem: Marx Vasconcelos / Especial para O Liberal)

O idoso conta que sobrevive pois recebe ajuda de instituições religiosas e pessoas na rua. “Eu sou ajudado pelas igrejas e muitas [pessoas] que ajudam também. Comida todas as noites sempre tem. Isso é uma benção para quem precisa de ajuda. Tem dias que é ruim. Vem a benção, mas depois é uma tentação atrás da outra. Não dá nem para imaginar o tanto que o pessoal de rua vive em condições horríveis. Eu durmo na calçada, tomo banho na rua, umas cinco horas da manhã tem umas senhoras que dão café. Fico junto com a turma que já tenho conhecida. Um sempre protegendo o outro”, relata Francisco.

Conforme a fala do idoso, todos que estão morando na rua tem um motivo diferente para estar no local. “Todo mundo tem um passado, tem um dilema. Todos são iguais. Tem algumas pessoas, não são todas, que ficam por causa da ‘tentação’ [vício em drogas]. Todos tem uma ‘carreira’ que não gostam de contar, algo que não deu certo e faz com que eles estejam na rua. Tem pessoas que tem família e condição [financeira] mas tá na rua e eu não entendo”, afirma o morador de rua.

Vulnerabilidade

image Casas de palafitas (Imagem: Marx Vasconcelos / Especial para O Liberal)

Muitos bairros localizados na periferia de Belém se tornaram moradia de pessoas de baixa renda que não têm condições de comprar ou alugar uma casa para viver. Um desses locais fica na Terra-Firme, próximo ao Conjunto Liberdade, popularmente conhecido como ‘Abrigo’, onde centenas de famílias vivem em casas sobre palafitas. Moisés de Oliveira Goés, 40 anos, é um dos moradores do local. Ele conta que vive com a esposa, o enteado e o filho na área, pois não tem dinheiro para sair.

“Eu trabalho fazendo frete, levando pessoas para pegar comida na Ceasa e coisas assim. Somente eu trabalho aqui em casa. Isso aqui é tudo invasão. As pessoas estão aqui por necessidade. Quase todos trabalham na informalidade e não recebem muito. A energia elétrica é precária, a água também. O cano fica embaixo do canal do Tucunduba e mistura com a água que a gente usa, não é de qualidade. De vez em quando a gente tem que comprar remédio pra verme. Todo mundo fala a mesma coisa. Crianças, às vezes, ficam doentes com diarreia. As necessidades fisiológicas são jogadas ao ar livre, não temos saneamento básico. É complicada a nossa situação aqui”, explica o morador. 

image Moisés de Oliveira Goés (Imagem: Marx Vasconcelos / Especial para O Liberal)

Segundo Moisés, muitas famílias na área precisam de ajuda para se alimentar e vestir. “As pessoas que moram aqui realmente são carentes. Tem pessoas que, às vezes, não têm até mesmo alimento para dar aos filhos. Muitas crianças e idosos moram nessas casas. Quando a gente pode, damos uma ajuda. Mas nem sempre temos como fazer isso porque a nossa condição também não é lá essas coisas”, diz o morador.

Outro morador da área, que vive há cerca de 12 anos no ‘Abrigo’, é Nelson Moraes Nunes, de 50 anos. Trabalhando como feirante ele sustenta quatro pessoas dentro da casa onde mora. O trabalhador relata que acompanhou a chegada e saída de várias pessoas da área. 

“Muitas pessoas saíram, outras chegaram. Quem vem morar pra cá é porque não tem mais para onde ir e não pode pagar aluguel, como aconteceu comigo. Não tenho como tirar metade do que eu ganho para pagar casa, sendo que tenho essas pessoas para dar de comer. Eu morei de aluguel por mais de 10 anos. Tô aqui porque não tenho como tirar dinheiro para sair dessa casa. Hoje o nosso maior medo é que essas casas de madeiras despenquem para dentro do rio. Quando a maré está alta, ela bate nas estruturas de madeira das casas e tudo balança”, expõe.

image Nelson Moraes Nunes (Imagem: Marx Vasconcelos / Especial para O Liberal)

Um dos maiores lamentos do feirante é que os filhos cresçam em tais condições. Ele diz que as crianças sonham em ter,no futuro, uma realidade diferente. “Meu filho quer uma vida melhor. Quer um lugar bom e diferente pra morar, um ambiente melhor. Ele não pensa em ficar aqui, morar aqui para sempre também. Quer ter uma vida que não seja essa aqui, uma educação boa em outro lugar. Eu também não penso em morar aqui para sempre”, revela.

Desejo pela melhoria

A Vila da Barca, no bairro do Telégrafo, em Belém, é um dos locais da cidade onde também vivem diversas famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Construídas sobre palafitas, muitas casas foram condenadas pela Defesa Civil devido às estruturas apresentarem risco de desmoronamento. No entanto, os moradores permanecem na área pois não possuem outra alternativa de moradia. Maria do Socorro Contente Paulo, de 60 anos, é uma das pessoas que foi informada sobre a necessidade de sair da residência de madeira onde mora, mas continua no local. 

“Eu moro aqui desde que nasci. Meus pais moram aqui na Vila da Barca também. A gente tem essa casa, que não tem mais condição de habitação. A Defesa Civil condenou e pediu para sair, mas para onde que eu vou?! Aqui é meu ganha pão. Eu não tenho aposentadoria e nem renda. Eu vivo dessa vendinha de tapioca que tenho, como vou sair?! As pessoas aqui lutam, trabalham e tentam conquistar uma vida melhor. Muitas pessoas estão assim, com as casas já destruídas”, conta.

image Maria do Socorro Contente Paulo (Imagem: Marx Vasconcelos / Especial para O Liberal)

Dona Socorro, como é conhecida na área, relata sobre o dia a dia no local. “Não tem saneamento básico. Parte das pessoas tem água e outras não. A mesma coisa é com a luz. Aqui, a nossa saída é um ajudar o outro. Como estamos na mesma condição, todo mundo se conhece, todos se abraçam para se defender. Aqui ninguém recebe benefício de nada, então temos que nos virar como podemos”, discorre sobre a situação.  

Segundo ela, a maioria das pessoas no local são autônomas e vivem de pesca, pegar camarão, vender açaí, etc. “Eu vendo tapioca com café, e a maioria vive como autônomo aqui. Tem muita gente carente, muita gente passa fome aqui nessas casas. Porque tu escolhe ou tu pagas o aluguel ou tu compras comida, já que as duas coisas às vezes é difícil. Aqui poucas pessoas pagam energia e água, vamos ser sinceros, não pagam. Mas o resto está tudo caro. Então muitas vezes você precisa sacrificar algumas coisas. Em prol de outras”, confessa dona Socorro.

image Maria do Socorro (Imagem: Marx Vasconcelos / Especial para O Liberal)

Medidas para amenizar transtornos

Segundo o professor Mário Tito Almeida, especialista em Relações Internacionais, é necessário entender as duas diferentes causas da pobreza, para então superá-las. 

“Quando falamos em pobreza, a gente tem que distinguir a superação da pobreza em termos estruturais e conjunturais. Estruturais, quando percebemos que a estrutura social precisa ser melhorada para que garanta essa inclusão social e superação da pobreza. Do ponto de vista conjuntural, ou seja, as ações imediatas, acredito que passem por três áreas importantíssimas, especialmente no que se refere a Belém. Em primeiro lugar, o processo de segurança alimentar e nutricional. Em segundo, implementação de programas sociais. Terceiro,  envolver a sociedade civil e o mercado [empresas], para que juntos com o poder público, implementem medidas urgentes de atendimento dessa população”, declara. 

image Pessoas em situação de rua (Imagem: Marx Vasconcelos / Especial para O Liberal)

O estudioso explica a importância desse sistema para a melhoria na vida de quem está em situação de rua e também quem vive na pobreza. “Essa relação, entre as três medidas ajuda até a superar a ideia de um assistencialismo, ou seja, que o Estado vai lá ajudar e fica como o salvador da pátria. Quando você envolve a sociedade civil, envolve empresas, você cria um corpo social de atendimento urgente. E isso passa necessariamente pela conscientização de que nós temos pessoas em Belém que estão excluídas desse ‘banquete social’ de acesso aos serviços e todas as necessidades e qualidade de vida”, exemplifica Mário Tito. 

Para o professor, é necessário entender que o acesso à renda está diretamente ligado às questões da pobreza. “Há uma relação direta entre aqueles que estão com pobreza e aqueles que não têm acesso ao mercado de trabalho. De um lado, está a abertura de oportunidades para acesso à renda, de outro, a oportunidade de formação. Por isso é importante linkar a ideia da pobreza com essa ideia de uma formação para as novas necessidades do mercado de trabalho”, explica Mário Tito.

O professor cita a questão da desigualdade social e destaca que a Cop 30 pode acender uma esperança para a melhora do povo. “No caso de Belém e no Pará, a esperança talvez resida na ideia da centralidade de cidade diante da COP30 que está vindo aí. Veja bem, não é que a COP seja a salvadora da pátria, mas pode ser uma maré de esperança para colocar Belém na linha dos serviços ambientais, do turismo, daquelas condições de melhoria, de acesso a todos, onde as pessoas sejam preparadas para receber visitantes e melhorar. Inclusive, gerando riqueza na cidade e para as famílias que estão envolvidas”, finaliza.

A Prefeitura de Belém gere algumas políticas públicas voltadas para a população em situação de rua na cidade, como é o caso da Casa Rua Nazareno Tourinho, espaço administrado pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma), que oferece serviços de consulta médica e de enfermagem e biopsicossocial. A Sesma também possui o Consultório de Rua, que oferece serviços de atenção básica em saúde de maneira itinerante para a população de rua em São Brás, Ver-o-Peso, Icoaraci e em Outeiro, realizando somente em 2023 quase 22.500 mil atendimentos.

Em nota, a Prefeitura de Belém informou que a Funpapa atua no serviço direcionado em assistência social a população em situação de rua, possuindo equipes técnicas que realizam o atendimento do Serviço Especializado de Abordagem Social, cujo trabalho é conscientizar, orientar e encaminhar para as redes socioassistenciais municipais, além da atuação dos dois Centro Pop - São Brás e Icoaraci - que acolhem a população em situação de rua, durante o dia, oferecendo cuidados com a higiene, apoio alimentar, inclusão no CadÚnico para acesso aos programas sociais e encaminhando para a rede de saúde e educação. Nos Centro Pops também é realizada a triagem para a avaliação da necessidade de acolhimento para a Casa Abrigo para Moradores Adultos de Rua (Camar) I e II.

Solidariedade

Um dos locais para auxiliar pessoas em situação de rua é o Abrigo João de Deus. Localizado na travessa Joaquim Távora, n 305, na Cidade Velha, o espaço recebe pessoas adultas e também idosos, muitos provenientes do mundo das drogas, álcool e outros com transtornos mentais. No local, as pessoas recebem o café da manhã, lanches, almoço, jantar e a ceia da noite (para os idosos).

O Abrigo vive de doações e recursos de eventos que a Casa promove. Os interessados em fazer doações de alimentos, sobretudo, proteína (carne, peixe, frango); material de higiene; vestuário; medicamentos, material de limpeza, podem ir até sede do Abrigo. Caso seja em grande quantidade, podem ser encaminhadas a partir do número 3241-3195, WhatsApp (98038-6816) e ainda por Pix (04.347.035.0001.52).

 

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